Dias interessantes, por Paulo Cecconi

Dias Interessantes é a segunda HQ impressa do Liber Paz, professor curso de Design da UTFPR e resenhista do site Universo HQ. Liber não é um quadrinista profissional, e como a maioria de pessoas que se envolvem no meio, faz gibis por puro tesão. Sempre publicou de forma independente, seu primeiro trabalho autoral longo foi As Coisas que Cecília fez, lançada no FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos, que acontece de dois em dois anos em Belo Horizonte) de 2013 e também publicou algumas poucas histórias curtas, disponíveis na rede mundial de computadores.

As duas investidas impressas são dramas sobre relacionamentos humanos, e uma influência mais direta, que pode situar o teor de suas obras, talvez seja encontrada em um paralelo com Estranhos no Paraíso, de Terry Moore, quadrinhista americano fundador da Homage Comics.

A história apresenta o casal Cris e Bininha, que está prestes a romper devido a uma viagem a Londres que Bininha vinha planejando – na verdade, isso é uma suposição. Este é o estopim oficial do término, mas acho que o real motivo pode, e deve, ser especulado pelo próprio leitor. Na superfície, Chris fica feliz, mas aos poucos o peso da perda vem à tona. Eis que o destino interfere na coisa toda e Londres passa a ser o menor dos problemas. A partir daí, o foco da história é voltado para como ambos lidam com a série de eventos que esta nova situação traz.

A maior qualidade do gibi é a narrativa gráfica do autor. Liber dispõe os painéis de forma muito favorável a história, valorizando e reforçando os momentos de reflexão e/ou carga emocional das personagens. Merecem destaques o movimento dado à página 4, na qual Chris surge multiplicado na planta do seu apto e, a minha página favorita, a 31, na qual 4 painéis descrevem a penosa caminhada da Bininha e uma amiga, que percorrem o caminho da farmácia até seu carro (o motivo do peso deste momento não será revelado para poupar o leitor de spoilers, mesmo que eu, pessoalmente, não esteja nem aí pra esse vírus da era moderna). Cada página é muito bem construída e planejada, e transformam o gibi num exemplo de que aquilo que se conta é tão importante quanto como se conta.

Página 4 de Dias Interessantes

Página 4 de Dias Interessantes

Além disso, Liber mostra um ótimo trabalho de pesquisa de cenários, tanto internos quanto externos, que conferem uma ambientação bastante concreta à obra. Também é importante notar a forma como Liber dispõe os textos dos balões e recordatórios, textos, aliás, feitos a mão. Novamente, há aqui uma valorização da narrativa, ressaltando que a colocação dos textos faz sim parte da arte de um gibi, fato muitas vezes esquecido.

Outra característica favorável do autor são os diálogos. Existe uma certa frequência com que se encontram textos românticos demais em HQs que tratam do cotidiano e, consequentemente, pedem um vocabulário mais corriqueiro, menos literário. É um erro relativamente comum e que acontece por pura falta de experiência ou até de revisão da obra. Alguns autores fogem deste mal, como Eloar Gazzelli, Marcelo D’Salete, Marcello Quintanilha, Shiko, Laerte e outros mais (notem que cito autores experientes). Liber confere diálogos bastante fluidos às personagens, o que torna tudo muito mais verossimilhante.

No mais, Dias Interessantes é uma HQ condizente com sua proposta (o que é um fator muito importante e facilmente esquecido, especialmente por roteiristas) e que abre algumas discussões, que por uma série de limitações, não serão levadas adiante nesta resenha. Resta apenas sugerir a leitura deste ótimo gibi, que trata sobre relacionamentos de uma forma ainda pouco abordada nos quadrinhos nacionais.

Paulo Cecconi é tradutor e resenhista de quadrinhos, e um entusiasta da bondade humana.

*Os primeiros capítulos de Dias Interessantes podem ser lidos AQUI.

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3 respostas para Dias interessantes, por Paulo Cecconi

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