
Sábado, 17 de março, 16h, receberemos Clayton Junior para o lançamento de seu livro mais recente, Selvagem. Pra dar um grau no lançamento, Mitie conversou com o autor, acompanhe:
Primeiro de Curitiba para SP e depois foi pra Londres, onde está até hoje. O que te motivou a mudar de cidade?
O que me fez ir pra lá foi uma bolsa de estudos de mestrado em Ilustração na Camberwell College of Arts. Eu passei dois anos me inscrevendo em bolsas pra todo canto do mundo – Japão, Itália, Holanda, Tailândia, Islândia, Índia – e acabou rolando em Londres, onde eu menos imaginava que eu iria acabar rolando, por causa da concorrência. Daí acabei ficando por lá (longa história).
Viver há mais de 10 anos na Europa facilitou sua carreira como artista gráfico e quadrinista?
Facilita o fato de que na Europa – e aqui eu incluo o Reino Unido – tem uma comunidade criativa forte, e as distâncias entre as cidades lá são relativamente curtas, o que ajuda na troca de ideias, de experiências cara a cara.
Eu tive a oportunidade de rodar bastante por lá, e criar uns laços legais com o pessoal nessa área. Por exemplo, fui varias pro festival Bilbolbul de quadrinhos em Bolonha, conheci muita gente inspiradora, fiz vários amigos, publiquei em antologias. A relação direta com a cena italiana me deu muita energia pra continuar fazendo quadrinhos.

Lembro do seu trabalho na coletânea Bang Bang (Devir, 2005) e depois acompanhei seus trampos, pela internet, mais ligados à ilustração. Veio pra Curitiba em 2011 e fizemos o lançamento de Temporama, HQ sem texto, que saiu pela editora inglesa Nobrow, na itiban, apresentou alguns exemplares de outras participações em revistas gringas (tipo a Graphic Cosmogony, da Nobrow) e na última visita à cidade natal fizemos o lançamento do livro escrito pelo Alessandro Andreola, Música do Dia, que tem suas ilustrações. Nessa mesma ocasião, nos apresentou seus livros infantis: Alone Together e Free the Lines. além disso, ainda produziu com um cientista(!) uma webcomic, a Brain Trippers. Agora, 2018, novamente retorna à casinha para lançar Selvagem (Sesi-SP), que saiu primeiro na França com o título Ma Vie de Loup, pela ed. Sarbacane. Você consegue olhar para isso tudo e detectar as mudanças no seu traço, no seu processo de criação? Acredita que tenha definido um traço só seu?
Na ilustração, eu sempre tentei seguir um estilo mais ou menos constante, meio por ser meu ganha-pão e também por que a maioria dos clientes não gostam muito de serem surpreendidos com experimentações .
Já nos quadrinhos, pra mim é o oposto: sempre fiz questão de experimentar, fazer alguma coisa que eu não tinha feito antes. Creio que eu fizesse quadrinhos com mais frequência, iria aparecer um traço mais definido. Mas do jeito que foi, cada trabalho saiu meio que um polaco de cada colônia (rs).
Com Ma Vie de Loup você participou do Festival do Livro de Saint Étienne e do festival BD Colomiers. Como foi a recepção do seu trabalho pelo público?
Foi uma surpresa. Em Saint Étienne eu descobri que o meu público não era adulto: eu fiz parte do pavilhão infanto-juvenil e a maioria dos leitores tinham entre 9 e 12 anos. Descobri também que as crianças francesas leem muito e de tudo um pouco. Claro que vários adultos compraram o livro também. Lá eles são muito familiarizados com a linguagem dos quadrinhos e a maioria sacou logo de cara que a história têm vários níveis de compreensão. A França é o sonho do quadrinista (rs).

Seus dois livros infantis (Alone Together e Free the Lines) lançados anteriormente na Inglaterra te influenciaram de alguma maneira?
Na verdade, não… Eu criei eles de outro jeito, focando mais no design das páginas e nos jogos de palavras. Eles têm mais a ver com o meu trabalho de ilustração, que é mais sintético. E quando eu comecei a fazer os livros infantis eu já estava finalizando a HQ.
Quanto tempo levou para finalizar Selvagem e qual foi o gatilho pra desenvolver a história?
O gatilho foi um artigo de jornal que li em 2011, sobre filhotes de cachorro que são colocados pra crescer com ovelhas pra se tornarem cães de guarda mais eficientes. Falava também dos lobos que, por conta do desaparecimento de seu habitat natural, estavam começando a aparecer em cidades no nordeste da Espanha. Na época eu estava lendo umas coisas como o How To Look at Animals, do John Berger, Deception, do filósofo Zyiad Marar, basicamente ensaios sobre comportamento. Eu fiquei com essa história na cabeça por mais de um ano. Numa noite de insônia, em um determinado momento, tudo fez sentido e a história surgiu meio que inteira, saiu numa tacada só.
Pra finalizar o livro levou mais ou menos 3 anos: um ano pra elaborar o roteiro e fazer um layout basicão da coisa toda. Daí um ano desenvolvendo o desenho, desenhando e redesenhando as páginas, e mais um ano fazendo as páginas finais.
Depois, levou mais uns quatro meses pra eu e o Marcus Penna colorirmos no computador, eu em Londres e ele em São Paulo.
Eu trouxe o sketchbook do livro pra mostrar na Itiban um pouco do processo.

Como foi apresentar e negociar Selvagem com as editoras Sarbacena e com o Sesi-SP? Vai ser lançada em outros países?
Eu mostrei a história pros editores só depois de pronta, quando eu estava começando a colorir. Mandei por e-mail uma sinopse e link pra um PDF para as minhas editoras favoritas em Londres, nos EUA, na França e no Brasil. A Sarbacane foi a primeira a me fazer uma proposta. Uns seis meses depois a SESI-SP topou fazer a edição daqui. Tem uma conversa sobre sair nos Estados Unidos, mas não tem nada fechado.
Houve alguma alteração na HQ depois de apresentada para essas editoras?
Sim, eu mexi em umas seis páginas em que aparecem o grupo de três lobos, pois o pessoal da Sarbacane achou que eles estavam muito parecidos, difíceis de distinguir. Eu fiz a alteração a contragosto, porque na aguentava mais trabalhar na história. Mas eles tinham razão, ficou muito melhor. E eles insistiram também muito na capa, aumentar isso, diminuir aquilo. De novo, fiz resmungando, mas o fato é que eles sabiam muito bem do que estavam falando, tudo fez sentido no final.
Ah, e as onomatopeias: a ovelha em inglês fala ‘Bea’, enquanto em francês fala ‘Bêê’, e em português, ‘Béé’. E assim pra uns outros sons também. Mas isso foi fácil e divertido de mudar.

O que está fazendo agora, quais os seus planos para o futuro….
De quadrinhos, eu estou terminando essa webcomic que falou, a Brain Trippers, pro European Research Council, um projeto que começou em março do ano passado e agora está nos últimos capítulos.
Pro futuro, comecei a esboçar umas ideias pra um próximo livro, mas nem adianta falar muito porque tá muito no começo. Mas vai ser meio autobiográfico. Uma comédia (rs).
No Brasil vemos uma movimentação maior no caminho do faço você mesmo. Muita gente se autopublicando ou mesmo se jogando como editor e criando seu próprio selo. Como vê essa movimentação? Tem vontade de experimentar esse caminho independente?
Eu fico super empolgado em ver que os selos e publicações independentes no Brasil estão cada vez melhores em todos os sentidos. E não descarto a possibilidade de fazer algo independente no futuro. Provavelmente, não faria nada no esquema “bloco do eu sozinho”, mas em parceria com o pessoal independente que já está no movimento. A colaboração dá força pros projetos, agiliza todos os lados, e dá bastante satisfação também. E acho que tem que se dividir as tarefas, porque fazer quadrinhos é legal, mas pra mim já dá trabalho pra cacete!