Conversamos com Rafael Coutinho

Neste sábado, dia 07, com muita alegria vamos receber Rafael Coutinho, que vai lançar seu novo trabalho, O beijo adolescente 3Como aquecimento desta tarde especial, fizemos algumas perguntas para ele.

©Rafael Roncato

Beijo Adolescente pensa o mundo contemporâneo. De que forma os acontecimentos do mundo entram na narrativa ou mudam a história que pensou?

Rafael — Eles mudam tudo a todo minuto pra mim. Mas já sei como funciona esse negócio de história longa, seja em roteiro ou quadrinhos. Preciso de uma estrutura e de uma certa ordem pra história acontecer, não pode ser caos total pra mim. Então em determinados momentos permito que isso e aquilo entrem na história, mas vou adaptando o que acho que pode entrar à estrutura maior. Ainda fico perdido e confuso em processos longos, me perco um monte, mas entendo o mecanismo maior em jogo, então vou completando as etapas mesmo.

Quantos mais volumes pretende fazer da série? Vai voltar ao Catarse?

Rafael — Quero fazer dez, mas às vezes acho que são nove. Não volto mais pro Catarse, mas me sinto obrigado vez ou outra a pensar em formas de financiamento coletivo, porque em última instância acho que é o cerne dessa discussão de publicação: a relação direta entre autor e leitores, em algum nível de parceria direta. Não sei ainda pra onde vai, mas acho que o próximo passo da série é ela migrar pruma editora maior. Meu fôlego como editor independente tem ficado fraco, sinto que preciso parar um pouco, estudar e repensar os modelos. E tenho perdido muito espaço como autor pro editor, estou há mais de quatro anos sem pintar um quadro, desenhando muito devagar e com dificuldade de concentração em projetos em que sou o desenhista. Entrei num ritmo muito fragmentado de desenho, tenho que parar o tempo todo pra resolver outras coisas, e o meu desenho caiu num lugar ruim pra mim, sinto que tenho repetido fórmulas rasas, feito coisas sem pensar com o devido tempo e respeito. Preciso voltar, tenho sentido falta desse tempo e envolvimento.

Falando como editor agora, quais os próximos passos da Narval diante de um cenário de crise econômica no País, mas de muita criatividade por parte dos autores?

Rafael — Pois é, acho que precisamos parar. Estou tentando montar essa discussão coletiva com editores e produtores pequenos, pra entender mesmo o que está acontecendo e o que cada um quer, e pra onde podemos ir juntos. Tem muita coisa que pode ser resolvida com certa facilidade, mas sinto que nesses períodos a coisa fica muito da mão pra boca. Cada um mergulha na sua própria salvação e paramos de pensar coletivamente. O que acho é que não quero mais ser o editor no sentido clássico da palavra, esse cara que “cuida de todo resto” quando o livro está pronto, que faz de logística a financeiro na empresa e manda e-mails de “obrigado” aos seus autores. Acho que precisamos dessa outra estrutura, todos nós, e todo mundo pode montar ela, juntos hoje em dia. Sabemos quem são os revendedores, as gráficas, as agendas de cada um para os lançamentos, e queremos claramente a mesma coisa: distribuição, venda, leitores, grana, satisfação. Cada um de uma forma, claro, mas acho que é uma época delicada, pra gente se ouvir, conversar, criar esse funcionamento maior, garantir isso, sem oscilação de crise e vendas. Oficinas e cursos, conversar com os alunos, entender o que eles querem também, pra onde acham que isso tudo vai, passar uma informação prática pra frente mesmo, estrutural. Mais de funcionamento de mercado mesmo. O material criado é incrível mesmo, nunca estivemos tão bem e com tanta fome. O pessoal do Catarse me contou que nunca teve tanto projeto de quadrinhos na plataforma, chega a ter 50 ao mesmo tempo. Ou seja, produzindo, nós estamos. Agora precisamos ver o resto.  O todo, não só o nosso individual. Não quero ficar olhando pra Narval, já entendi como funciona. Sou um autor em uma máquina grande, e sei que sou bom e minha editora é um espaço legal pra outros autores. Mas não tem bastado pra mim, recebo diariamente e-mails de artistas incríveis que ficaram de fora, amigos que precisam publicar e vender bem, porque é isso que precisa acontecer. Não é uma questão de qualidade de trabalho mais, sabe? Tem a ver com pavimentar o caminho até o leitor.

Como equilibrar o tempo entre editar, fazer quadrinhos, ilustrar, ter um tempo com família e amigos, participar de peças (como a Puzzle) e tantas outras ocupações?

Rafael — Nem me fala. Um lado sempre falha. Sinto falta do meu filhote, minha empresa fica indo e voltando, não termino os livros a tempo, e me organizo militarmente. Mas durmo com dívida, quase sempre. Não posso reclamar, escolhi essa vida, não dependo de ninguém, odeio depender do telefone que não toca. Não aconteceu pra mim o trabalho fixo, simplesmente não rolou. Vi onde estavam os problemas e fui tentando resolver, e acho que foi assim. Mas tenho me cansado, e agora meu segundo filhote vai nascer, então preciso diminuir o ritmo de tudo. Cada etapa tem sido muito importante, tenho focado em cada uma conforme os anos vão passando. Estou envolvido demais, sei lá. Não sei avaliar, sinto que tô no meio do jogo, suado e esperando o cruzamento no empurra empurra. É um papo muito sério, sabe? Esse de ser autor e artista e tudo mais. Levo muito a sério porque sei o que tá em jogo, pros meus colegas. E ver um trabalho benfeito de um amigo ou de um gringo me arrebenta, me explode, é algo fora do meu controle. É muito importante pra mim, sou isso o tempo todo. Espero não estar passando uma ideia psicopata do Rafa, hahaha. Mas é isso, tô envolvido até o pescoço, apaixonado e puto da vida com as cagadas desse mundo cruel e consumista e doente e malvado. Mas vai dar tudo certo.

Qual é a ideia por trás d’O fabuloso quadrinho brasileiro de 2015? Quais foram as dificuldades e as surpresas do projeto?

Rafael — É uma coletânea, uma antologia que desse essa cara pro quadrinho atual. Algo que pudesse ser uma boa e eficaz e bela porta de entrada pra isso tudo, pro universo de cada artista. E que pudesse (pra mim) ser um momento de celebração impressa disso tudo, a materialização desse “tamo ganhando!” geral. Era um desses calos do nosso mercado que achei que podíamos resolver com certa facilidade, o que acabou se mostrando nada fácil. Ficou incrível, cara. É de dar muito orgulho, e é resultado do envolvimento absoluto do Érico Assis e da maravilhosa Clarice Reichstul, que mantiveram a frequência e a concentração absoluta em tudo com tanto amor e carinho que tenho até dificuldade de botar em palavras. Foi um processo bem rigoroso e levado até as últimas consequências, discussões incríveis e enormes sobre cada aspecto do livro. Ah, e a Marcela que diagramou e o Drehmer e o Nik… a equipe foi magistral, mesmo.

No que mais o editor e o quadrinista Rafael Coutinho tem trabalhado?

Rafael — Em descansar um pouco. E conhecer meu segundo filho.

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