Sábado tem lançamento do Rafael Coutinho aqui na Itiban, com bate-papo mediado pelo inenarrável Liber Paz. Já começamos um papo com o Rafa por email e o tema segue pro sábado. Venha participar dessa conversa e pegar seu autógrafo, dia 1 de abril, 16h.
Se liga na conversa até aqui:

Retrato de Rafael Coutinho. Foto: Carolina Vianna
ITIBAN: Conta pra gente sobre o que é Mensur e de onde veio a vontade de fazer esse quadrinho.
RAFAEL COUTINHO: É uma prática que ainda vigora em alguns países da Europa, e que vem lá do século XVI, na qual dois lutadores duelam em uma luta muito regrada e dura, com espadas, protegidos por uma roupa espessa distribuída em diversas partes do corpo. O objetivo é acertar o oponente no rosto, e a luta é também um teste de resistência e demonstração de virilidade. É mais um ritual de passagem do que uma luta propriamente dita, e em um segundo momento os lutadores também passam por um processo de sutura, e em ambos os momentos, tanto no duelo quando depois, ambos precisam não demonstrar nenhum sinal de dor ou de angústia.
A vontade veio quando li o livro O Cultivo do Ódio, do historiador Peter Gay, onde ele descreve, junto de outros registros e pesquisas sobre a expressão do ódio em praticas e dinâmicas sociais no século XIX na Europa. E coincidia com meu desejo pessoal de abordar o tema da violência, tanto simbólica quando literal, mexido por questões pessoais que me acompanhavam já há alguns anos sobre o assunto. Então decidi transpor a prática pro Brasil atual e construir o universo da história em volta de um grupo de amigos que teria praticado de forma amadora no interior de Minas Gerais e em que um garoto teria morrido. A história acabou se desenvolvendo em torno de um dos personagens, o Gringo, com o qual convivi intimamente nesses últimos sete anos.
O que levou mais tempo nesse processo de sete anos de trabalho com Mensur?
Acho que foi o miolo, o meio. Fiquei o primeiro ano só escrevendo e pesquisando. Escrevi sete, oito tratamentos, fiz muitas leituras com amigos e principalmente com o André Conti, meu editor durante o período em que fiz o livro.
Ao fim desse primeiro ano percebi que a história, que estava prevista pra ter mais ou menos 100 páginas, teria no mínimo 170, e havia muitos pontos em que os elementos não fechavam formalmente como eu achava que fechariam, e durante os próximos anos fui tendo que encaixar no meio de muitas outras funções que exerci, de trabalhos diversos e de mudanças drásticas na minha vida particular, como o nascimento dos meus dois filhos, mudança de casa etc. Passei a desenvolver uma relação com o livro de vida mesmo. Viver com o livro, deixar que ele se misturasse as minhas questões e mudanças, reentender ele sob o prisma desses acontecimentos, e renegociar com os personagens e a trama o que cederia e o que não cederia a tudo isso. De certa forma fui compreendendo melhor cada um deles, e me sentindo mais pronto pra abordar o projeto na profundidade que ele pedia.
Comparando com Cachalote e Beijo Adolescente, como você posiciona Mensur em sua produção?
Sinto que é um ponto de conclusão em um arco de acontecimentos e projetos que me nortearam nesses últimos dez anos. E que começou com minha decisão de fazer quadrinhos longos, profissionalmente, lá atrás, quando conheci o Galera. Antes disso vejo outro arco, onde estudei artes plásticas e produzi de uma forma muito livre junto de toda uma geração, quando conheci amigos de diversas áreas que me ajudaram a construir minha identidade como desenhista e quadrinista. O bom de ter distanciamento é ver que as escolhas estão todas conectadas e que há uma relação entre elas. Ainda não consigo ver com clareza o que é e o que significa fechar esse novo arco, mas sinto que concluí uma etapa e que preciso de um tempo pra abrir outra. Continuo trabalhando, mas darei um tempo dos livros grandes, preciso desse tempo agora.
Então, além da promoção de Mensur, quais são os próximos passos?
Esse ano finalmente colocaremos pra andar um projeto de muitos anos do Angeli e do meu pai, a BAIACU, uma residência de quadrinhos que resultará em publicações impressas e digitais, um site com conteúdo desse processo, e um monte de ações relacionadas a essa empreitada. É um projeto muito importante pra gente e que acredito que será muito forte e importante pra todos. Ele resgata uma experiência que vem lá dos anos 80 deles, e é fruto desse desejo deles de fazer algo novo e forte novamente, e sou muito grato por fazer parte disso.
Farei também com o MIS aqui de SP a segunda edição da DES.GRÁFICA, projeto voltado para a experimentação nos quadrinhos, com feira, palestras e publicações.
É um ano de bastante estrada também, dando aula, palestras e participando de eventos. Participo de um programa maravilhoso do Sesc, em que eles convidam artistas pra darem cursos em unidades do Sesc mais afastadas das grandes capitais. Fiz o ano passado todo e foi muito importante pra mim, quero muito continuar com isso.
Continuo com os encontros com artistas e da produção em dupla, outra coisa que engatou ano passado de uma forma muito inesperada e que me dá muito prazer e me obriga a descobrir soluções novas o tempo todo. Farei uma agora com o pintor Pedro Ivo Verçosa, uma série grande de pequenas telas, pintando nudes de quem quiser se envolver.
Há outras frentes que também vêm do ano passado, e que conduzirei esse ano, como o site de pesquisa em publicações CMYX, que devo pegar com mais força esse ano também. E claro, sou desenhista, devo em algum momento retomar as atividades em projetos como ilustrador e artista plástico. Se der tempo, gostaria de retomar o raciocínio narrativo em histórias curtas, mas quero mesmo esse tempo pra me reciclar narrativamente.
Laerte e você deram um curso de desenho juntos. De que forma isso te faz pensar sobre seu próprio trabalho? Qual é o grande barato desse curso?
Ainda está rolando, dura dois meses. É algo que bolamos juntos e que nos trás muito material de reflexão, que nos tira do conforto das nossas linguagens e maneirismos gráficos. Além de ser um grupo de pessoas sempre muito interessante e plural, cada um com sua concepção de mundo, tentando entender desenho em suas próprias vidas, o coração da coisa é o modelo. Olhar pra ele, ver com detalhe, com calma, reaprender a olhar as coisas. É meio infinito esse papo, não sei se consigo resumir, mas foi com modelo vivo que mudei meu traço em três momentos bem cruciais pra mim, onde vi que tinha conseguido abrir novas portas e saídas. Fizemos três edições desse encontro, e isso sempre acontece – uma espécie de minicatarse importantíssima pra mim. Imagino que pro meu pai também, sei que é bem vital pra ele.
Além de autor, você é um “agitador do meio”. Mesmo com o fim da Narval, você segue reunindo pessoas e desenvolvendo projetos. tem alguma coisa que esteja acontecendo/pra acontecer em 2017?
Mais do mesmo, cara. Não consigo me distanciar muito disso, é algo que me toca profundamente. Não consigo aceitar a mediocridade do nosso mercado, o que nos oferecem é muito pouco. Me refiro ao meio, ao mercado, ao mundo neoliberal, ao cosmos. Se posso mudar algo, vou continuar tentando, conversando com meus colegas, gente com quem desenvolvi um tipo muito profundo de conexão. Somos uma grande família mesmo, pro mal e pro bem. Só não dá pra aceitar festa de fim de ano sem presente, sinto muito. O presente tem que ser mudança estrutural, posicionamento ativo, mudança o tempo todo, pesquisa, estudo. Ser autor não é mais ficar sentado reclamando de editora, sendo pura e exclusivamente autor, isolado na torre de marfim da própria poética. Esse é um modelo antigo, e precisamos construir um novo, pra ontem.
Segue o baile.
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