
Bianca e Greg, autores de Meu pai é um homem da montanha
Penúltima entrevista do ano! Com os responsáveis pelo Meu pai é um homem da montanha, Bianca Pinheiro e Gregório Bert. Segue o papo:
Qual a diferença entre Meu pai é um homem da montanha, e seus outros livros, Dora e Bear?
Bianca – A grande diferença é que em Meu pai é um homem da montanha, o Greg saiu de leitor-beta e participou ativamente na construção inteira da HQ. Ele sempre participa ativamente de um jeito ou de outro na criação das minhas HQs, seja dando pitaco, seja apagando o lápis, seja revisando e mexendo no texto. Em Meu pai…, a gente sentou junto desde o começo para fazer, a HQ é de nós dois, inteiramente. Essa é a maior diferença. Tanto que tem o nome dele na capa!
Como essa HQ foi feita em dupla, também tive que aceitar uma interferência maior nos meus desenhos. o trabalho era dele também, afinal. Era importante que nós dois gostássemos do resultado. E – aí vai um segredo! – todo o sombreamento com o pontilhado e tudo o mais? Só saiu porque o Greg reclamou de como eu estava fazendo (estava ficando muito parecido com Dora) e falou que seria melhor se as sombras fossem mais graduais, para poder ter momentos em “tons de cinza” na HQ. Fiquei frustrada por ter que refazer 20 páginas, mas no final concordei que estava muito melhor.
Dora também é terror. De onde vem esse interesse pelo gênero?
Bianca – Na verdade, eu descobri – lendo quadrinhos da Emily Carroll – que contar histórias de terror pode ser muito mais divertido do que as ler ou as assistir. Pra ser bem sincera, eu morro de medo de histórias de terror. Sou daquelas pessoas que gritam quando tem cena de susto e que ficam com dor de cabeça se o filme é assustador demais, sabe?
Mas quando comecei a pensar em Dora, antes mesmo de me sentar para escrever, eu percebi que a ideia de contar algo possivelmente assustador é muito legal. Dá pra usar o medo pra falar de muitas coisas. Até porque a maior parte das pessoas está sempre com medo. Eu sei que eu estou. Mexer com outros tipos de medos é também muito interessante.
No caso do Meu pai…, eu tinha a seguinte ideia: queria fazer, para o FIQ, uma HQ curta de terror. Bem curta mesmo, umas quatro páginas, mas não estava conseguindo me entender com ela. A história que eu tinha (era mais uma cena que uma história) estava difícil de colocar em quadrinhos. Especialmente porque ela me foi contada. Então eu estava lá, em crise e sofrendo, e o Greg chegou e disse: “Eu tenho uma história de terror pra você. Mas vai ter um pouco mais de 4 páginas”.
Ele me contou muito brevemente o argumento. Aliás, nem o argumento era ainda, era só uma ideia inicial. Eu gostei da ideia, mas disse logo que só faria essa história se ele concordasse em assinar a HQ comigo (ele queria a princípio só me dar a história e deixar que eu fizesse tudo sozinha. Não, senhor!). Acordados os termos, pudemos discutir o que faríamos. A gente pensou, a princípio, que talvez a história pudesse ser contada em 10 páginas. Mas quando finalmente nos sentamos para colocar em ordem o que aconteceria, as 10 páginas viraram 25. E por fim, quando paramos para fazer o storyboard, ela saiu de 25 e foi para 55 páginas. Mas acho que ficou como tinha que ser. Não acho que teria ficado legal se a contássemos em menos páginas.
Como foi trabalhar com outro roteirista em uma obra mais longa?
Bianca – O Greg não foi o roteirista da história, na verdade. Acontece que Meu pai é um homem da montanha não teve roteiro. A história é dele. Totalmente dele. Eu no máximo dei pitacos. Mas foi uma HQ sem roteiro, como a maior parte das HQs que faço é. O que a gente fez foi, uma vez que a história estava mais ou menos certa, a gente se sentou lado a lado e, conforme o Greg ia narrando o que acontecia, eu ia montando o storyboard. A decupagem das páginas foi praticamente toda feita assim, mexendo e alterando direto no storyboard. É claro que na hora de desenhar uma coisa ou outra acaba mudando, mas no geral foi isso mesmo. (é possível que o Greg tenha explicado tudo isso nas respostas dele.).
Mas – agora sim respondendo a sua pergunta – foi muito legal trabalhar com ele. A gente já vem faz um tempo querendo fazer alguns projetos de quadrinhos juntos, só que são todos projetos longos e que levam um certo tempo pra finalizar. A vantagem de fazer essa HQ juntos logo foi que pudemos testar como a gente trabalha em conjunto. E foi ótimo! Teve momentos que quis brigar porque ele estava querendo que eu redesenhasse algum quadrinho? Teve! Senti raiva? Senti! Teve crise de choro diante da perspectiva de ter que refazer 20 páginas? Teve! Mas, no final das contas, o que importa é que a gente concorda em muitos aspectos e se às vezes eu, por estar desenhando por muitas horas as mesmas páginas – acabo não percebendo alguma coisa, ele, estando de fora, percebe! É aí que a mágica acontece. Como a gente tem uma linha de pensamento muito parecida, era fácil concordar no ponto de onde queríamos chegar. O que importa é que deu tudo certo no final! E estamos prontos pra encarar o próximo projeto. Já até começamos a pensar na história. :)
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Sua formação acadêmica é bastante ligada à literatura. Isso o influencia de alguma forma na hora de roteirizar HQs?
Greg – Vou ter que começar a responder respondendo algo que a pergunta não pergunta. Não posso falar de roteiro, porque a verdade é que nunca escrevi um roteiro. Antes disso, ainda, é preciso dizer que, no final das contas, não posso dizer que sou quadrinista… sei que isso pode parecer estranho, já que meu nome está na capa de uma HQ, mas a verdade é que não sei fazer quadrinhos, não sei pensar em quadrinhos. A Bianca sabe, e é com isso que a gente trabalhou.
Vamos aos esclarecimentos: a história é minha (e o argumento, antes disso). A Bianca estava procurando uma história (curta) de terror para lançar no FIQ. Ela comentou isso comigo e, alguns dias depois, tive uma ideia. Contei para ela, ela gostou e disse que faria se eu fizesse junto (com nome na capa e o escambau). Aceitei. Na época ela estava trabalhando em alguma outra coisa e o projeto ficou estacionado. Um dia a gente sentou junto e fez. Eu ia narrando as cenas e ela ia quadrinizando, direto no storyboard.
Depois a gente sentou com esse storyboard preliminar e trabalhou nele. Alongou algumas cenas e encurtou outras. Mudamos a estrutura de alguns segmentos narrativos, “ajeitando” algumas coisas e “complicando” outras. As maiores preocupações foram as viradas de página e o texto. O texto foi a última coisa que ficou pronta porque eu não conseguia parar de mexer… na verdade, nunca houve um momento em que ele esteve pronto, esse momento tão bonito foi substituído pelo muito menos empolgante momento em que o arquivo, por uma questão de prazo, teve que ir para a gráfica.
Mas, antes que eu me perca para todo o sempre e nunca mais consiga voltar, vamos a pergunta inicial. Minha formação acadêmica definitivamente tem influência sobre o modo como eu penso narrativas. Assim como todo o resto das coisas que faz parte da minha vida. Eu gostaria de poder dizer sem pudor que meu lado leitor desinteressado é mais decisivo do que meu lado leitor acadêmico, mas a verdade é que não posso fazer isso, primeiro porque não acredito no leitor desinteressado e, segundo, porque, mesmo se ele existisse, e se, existindo, fosse eu, não saberia como diferenciar essas coisas em mim, sendo que, invariavelmente, eu seria ambos.
Não tem jeito. E a tristeza fica por conta disso ser bem menos glamouroso do que a gente (ou pelo menos eu) gostaria que fosse. Gostaria de dizer que na raiz da minha proposta narrativa está meu interesse por Kafka e Cornélio Pena, e até posso fazer isso, só não posso dizer que fila de banco e vazamento na pia da cozinha também não estão… é isso, por um certo preciosismo que talvez seja mesmo uma bobagem meio purista e tacanha da minha parte, eu queria mesmo poder dizer que não, que minha experiência acadêmica não tem nada a ver com meu modo de pensar as coisas do mundo, sobretudo narrativas de ficção, mas não posso. Ou posso, porque ninguém manda em mim. Sendo assim, afirmo que não, que minha experiência acadêmica não tem nada a ver com meu modo de pensar as coisas do mundo, sobretudo narrativas de ficção.
Por que fazer uma HQ de terror?
Greg – No caso de Meu pai é um homem da montanha aconteceu meio que “por encomenda”, como eu disse na resposta anterior. Mas de qualquer forma, gosto muito da ideia-base da história de terror. Terror, para mim, tem a ver com estar diante do desconhecido (o que é sempre incômodo), numa situação em que lidar com ele é imperativo, seja porque a pessoa se colocou nessa situação, seja porque a situação encontrou a pessoa.
Como foi o processo de criação com a Bianca?
Greg – Foi ótimo. Nós dois participamos ativamente do processo como um todo, durante o desenvolvimento nada ficou estanque. Como de costume, houve momentos em que ela quis me trucidar, mas isso a gente vai levando. A Bianca é uma quadrinista muito competente e é um pouco assustador ver a velocidade em que ela trabalha, principalmente na concepção das páginas. Ela tem uma noção muito boa de tempo, o que ajudou enormemente na hora de produzir a HQ.
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É isso, pessoal. Sábado esse papo segue na Itiban!
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