Hermínia, por Paulo Cecconi

Segue abaixo  a resenha de Paulo Cecconi sobre Hermínia, de Diego Sanchez. Sanchez e Shiko estarão amanhã na Itiban pra autografar seus livros. Apareçam!

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Hermínia é uma reflexão na qual o autor usa simbolismos e metáforas pra traduzir suas impressões sobre os efeitos de mudanças pessoais. E acho que é informação o suficiente pra você ler o livro e tirar as suas conclusões, mas pra fazer jus a um trabalho tão esmerado e para valorizar o espaço digno de uma resenha, bora escrever mais.

Uma nuvem avança pela cidade, e a realidade é alterada conforme engole as coisas. Hermínia e Arcádio, os protagonistas, sabem disso, e fogem para a casa do pai de Arcádio, que está isolada, numa tentativa de preservar as coisas como estão. É uma tentativa fútil, porque a nuvem, como o próprio tempo, possui uma natureza fatalista, inevitável.

Os simbolismos são recursos recorrentes no trabalho de Diego Sanchez (também conhecido como Sanchez Com Z), e tanto em Pigmaleão quanto em Perpetuum Mobile (gibis anteriores, publicados, respectivamente, pelo Circuito Ambrosia e de forma independente e, no caso de Perpetuum Mobile, republicado pela Editora Mino em 2015), ele usa subtextos para conferir maior dimensão e profundidade a seus enredos.

Em Hermínia, a história é embrulhada numa proposta de ficção científica, mas Sanchez joga várias dicas pra deixar o leitor mais próximo da intenção pessoal da escrita. Uma das mais evidentes (fora o próprio nome das personagens) é quando Arcádio remove a camisa e revela a tatuagem de um esqueleto e os dizeres “ET IN ARCADIA”. A frase vem do quadro ET IN ARCADIA EGO, do pintor italiano Nicolas Poussin, que pode ser traduzida como “Até em Arcádia, Eu Existo”. Arcádia é, entre outras coisas, lugar idílico descrito por poetas como uma região de paz, simplicidade e tranquilidade. Mas é necessário notar também que, em inglês, a tradução do título sugere “Even In Arcadia, There I Am” e “I” era comumente interpretado como a morte, que, no Tarô, representa uma transformação significativa (faça o seu próprio julgamento de como isso reflete na personagem e na historia). Transformações, mudanças, o fim do que se conhece e do que é confortável é o cerne da questão. Com maior precisão, dá pra arriscar dizer que é sobre o fim da adolescência, e a incerteza natural da ruptura para qualquer que seja a fase que vem depois, tudo isso trabalhado com o uso de elementos narrativos. Pronto. Entreguei. BOOOOM!

Quadro de Poussin

Quadro de Poussin

Quando se fala num gibi do Sanchez, é preciso falar sobre sexo também. O ato é carregado de destaque também nos quadrinhos anteriores e, em Hermínia, o espectro da prática perdura em cada página, em especial nas mostradas em planos detalhe, como o cinto de segurança sendo colocado, uma marcha sendo trocada e a gasolina sendo colocada no carro. Coincidência que estes elementos sejam “amarrados” pelo veículo que leva o casal para o seu destino? Pensa aí. Mas retomando o foco no ato sexual em si, temos duas sequências na HQ, e a segunda se faz importante para fechar o ciclo narrativo proposto. Ela dialoga diretamente já com a primeira frase do livro e faz alusão ao eterno retorno (conceito filosófico comentado por Nietzsche, por exemplo). Simbolismos, eu falei.

Em relação aos desenhos, a evolução de Sanchez é flagrante, especialmente nas páginas de painel único, ou com painéis maiores. O esmero com os detalhes da ambientação, ilustrados pelas hachuras, situam o leitor (perdoem aqui o clichê da expressão) quase que dentro da história. Em especial, Sanchez mantém aquela que é a sua característica mais identificável: a forma como ele utiliza e dispõem os painéis, que conferem uma leitura fluida, dinâmica e ágil, com espaço para respirar. E, num gibi sobre a inevitabilidade do tempo, os espaços “vazios” entre painéis se fazem ainda mais eloquentes.

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O sétimo gibi publicado pela Editora Mino Neste caso, se destaca nas prateleiras das bancas especializadas e livrarias devido a escolha acertadíssima da utilização das cores amarelo e magenta (magenta não é rosa, não importa o que digam por aí), fazendo com que seja uma das publicações mais bonitas do ano, no quesito estético. Sério, dá vontade de morder. E é doce.

Em Hermínia, o leitor encontra mais um trabalho autoral de altíssima qualidade, num momento positivo na esfera nacional. É mais um ótimo gibi de 2015, este ano que deu luz a muitas HQs nacionais excelentes. E ainda tem o FIQ por vir.

Paulo Cecconi é um apaixonado pelo amor e pela vida

Vocês também pode ler uma pequena entrevista que fizemos com Diego Sanchez AQUI.

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