Por Yasmin Taketani

A quantidade e a qualidade impressionantes de HQs independentes no FIQ, em coexistência com as editoras, reflete o momento atual dos quadrinhos. Para onde este cenário caminha? (Foto: FIQ/Divulgação)
Nas semanas que sucederam o principal festival de quadrinhos brasileiro, relatos de leitores, artistas e jornalistas tentavam dar conta da emoção que foram os dias de 13 a 17 de novembro deste ano. Paulo Ramos falou em seu Blog dos Quadrinhos sobre uma “revolução dos independentes”, e Érico Assis chamou atenção no Blog da Cia. para a variedade de temas e estilos na produção brasileira atual. São aspectos importantes não só pelo que merecem de comemoração, mas principalmente pelos pontos de reflexão que colocam para além da oitava edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte.
Dois dias antes da abertura oficial do evento, um passeio despretensioso pela montagem na Serraria Souza Pinto colocava a pergunta: “Cadê as editoras?”. Não só neste ano, em que sua presença esteve restrita aos estandes de Devir, Nemo e Balão Editorial, mas desde outras edições e eventos a maioria delas é representada por livrarias — Leitura e Comix, no caso deste FIQ. Para o editor Guilherme Kroll, da Balão Editorial, que realiza em torno de seis eventos por ano, além de possibilitarem contato com o público e divulgação, eles concentram suas vendas, junto às livrarias.
Logo no primeiro dia, no entanto, essa ausência não era motivo de lamentação. Era, sim, ofuscada por selos independentes, coletivos de quadrinistas ou simplesmente autores publicando por conta própria. Havia uma quantidade imensa de novos títulos, com estilos para todos os gostos, preços acessíveis, qualidade no conteúdo e um produto final bem feito. O jornalista Paulo Ramos contou 136 lançamentos, dos quais Lobo, editor da finada Barba Negra, considera que “trinta são imperdíveis” — não apenas “bons”. Se esta fosse a proporção para a arte em geral, a humanidade estaria salva.

Aquisições de Érico Assis no primeiro dia do evento. “9k de bagagem extra” foi o resultado do FIQ para o jornalista (Foto: Érico Assis)
Para além dos estandes e lançamentos, outro ponto em que as editoras passaram despercebidas foi programação oficial. Se a presença do francês Boulet (que fechou a publicação da webcomic Boulet corp no site Outros quadrinhos) e dos norte-americanos Peter Kuper e George Pérez foi bem aproveitada pelo público, a falta de sincronia de outros convidados — pouco conhecidos ou mesmo completamente ignorados pelos leitores — com o mercado nacional ficou evidente. Também é notável que a última HQ de Kuper no Brasil tenha saído em 2008 (Desista!, Conrad), e os dois volumes de Crise nas infinitas terras (Panini Comics, 2003), com arte de Pérez, estejam esgotados. Artistas nem sempre têm agenda, e a curadoria de debates e palestras é responsabilidade dos festivais. Mas funcionários do FIQ criticaram editoras que sequer respondiam e-mails sobre a negociação de vinda de seus autores ao Brasil, não cooperavam no meio de campo com artistas e agentes, e muito menos apresentavam sugestões.
O público certamente perde com essas ausências, cujos motivos variam — desinteresse, falta de sincronia com lançamentos, limites estruturais —, e as editoras perdem um importante momento de divulgação e vendas (a edição de 2011 atraiu 148 mil pessoas; ainda que sem números oficiais para 2013, é certo que circulam pelo FIQ artistas, leitores e mídia especializada de todos os cantos do país).
O consenso é que a quantidade e a qualidade impressionantes de HQs no FIQ — mesmo sem a presença de editoras, o que é revelador sobre a produção independente — reflete o cenário da produção atual: um momento de “liberdade poética”, “imperdível” e “ousada”, para usar alguns termos repetidos no evento. Absorver tudo isso é impossível para as editoras, mas há que se considerar que seu desempenho nesse sentido talvez esteja aquém das possibilidades. Afinal, os lançamentos de uma amostra considerável de casas mostram que elas incorporam uma parcela muito pequena dessa produção.
A Gal, fundada em 2007, tem 15 HQs no catálogo de 16 obras — apenas Zumbis: Mundo dos mortos inclui artistas brasileiros — e somente um lançamento em 2013. Desde 2009, a 8Inverso publicou na área sete obras, todas estrangeiras, e somente uma em 2013. A Nemo (ligada ao Grupo Autêntica, premiada com o HQMIX 2013) trabalha principalmente com a produção europeia; lançou três títulos nacionais neste ano. A Conrad, que tem Joe Sacco, Bill Watterson e Robert Crumb no seu catálogo internacional, não publicou brasileiros em 2013, ano em que seu ex-editor, Rogério de Campos, abriu a Veneta — já com nove livros, cinco dos quais são HQs (uma é nacional). A Zarabatana, que concorre desde 2008 ao Prêmio HQMIX mas nunca chegou a vencê-lo como melhor editora, se notabilizou por trazer ao Brasil os quadrinhos argentinos. Em 2012, ela publicou 11 obras (quatro nacionais), número que baixou para quatro (sendo dois brasileiros) neste ano. Quadrinhos na Cia. (Prêmio HQMIX de melhor editora em 2010 e 2011), selo especializado da prestigiosa Companhia das Letras, foi criado em 2009 — antes disso, as HQs eram publicadas pelo seu selo juvenil. Em 2011, ele lançou dez títulos (sendo três nacionais); 12 em 2012 (oito nacionais); e quatro neste ano (dois são nacionais; mais duas HQs estrangeiras estão engatilhadas, mas sem confirmação sobre lançamento em 2013).
Com tiragens de 1 mil a 1,5 mil por livro, a Balão Editorial fecha este ano com seis lançamentos em HQs (dos quais quatro são nacionais; parte é publicada através de editais). Ela pode ser pequena, quase independente se comparada ao mercado editorial no país. Mas se pensarmos no parágrafo anterior, é uma das propostas mais consistentes no segmento. A queda no número de lançamentos de algumas editoras, no entanto, não pode ser simplesmente interpretada como recuo ou mudança no mercado. André Conti, por exemplo, que divide o expediente em outras frentes da Companhia, ressalta que este ano foi um caso particular. Ainda que não tenha atingido a meta de 11 publicações para 2013, o editor pretende manter no próximo ano uma linha mais constante de lançamentos, objetivo compartilhado por outras casas.

Guilherme Kroll: “Os autores estão estudando e se profissionalizando — cada vez mais eles chegam prontos para publicar” (Foto das Mesas por José Aguiar)
O FIQ deixou claro que quadrinistas não dependem mais de editoras para ter seu trabalho publicado com qualidade – adeus às folhas A4 mal xerocadas. A autopublicação não é o último recurso, mas uma opção viável: a tecnologia barateou e facilitou o processo de edição e impressão; pode ser feita não só através de crowdfunding, mas o investimento do próprio bolso, quando bem planejado, se paga com as vendas; distribuição e divulgação têm na internet uma grande aliada, junto ao nicho formado por comic shops e eventos como o mineiro, onde se concentram as vendas nesse formato.
Na manhã do quarto dia do FIQ, a HQ Sempre inconstante (R$ 8, 30 págs.), do carioca Anderson B., já tinha vendido 110 exemplares (é importante ter em mente os outros 135 lançamentos simultâneos). O restante da tiragem de mil cópias (ao custo de impressão de R$ 4,2 mil) iria para lançamentos no Rio de Janeiro e São Paulo; Gibicon 2014; venda em comic shops e livrarias como Travessa e Blooks, no Rio, que começam a abrir espaço para independentes. Como muitos artistas, Anderson voltava de um longo período distante das HQs por conta de compromissos profissionais: os dez anos em que o designer gráfico esteve longe da criação e do público pesaram na hora de deixar o crowdfunding de lado. Ocupando uma das 34 mesas que faziam as vezes de estandes individuais, ele botava em prática o plano de retomar essa antiga paixão. Sem pressa, porém, de chegar a uma editora. “Quero ficar à vontade com meu trabalho e divulgá-lo, ter uma produção mais constante e consistente”, explicou Anderson.
Trabalhos de maior consistência é o que Guilherme Kroll observou nos portfólios que analisou durante a Rodada de Negócios promovida pelo evento: “Os autores estão estudando e se profissionalizando — cada vez mais eles chegam prontos para publicar”. Editores, no entanto, ainda se deparam com uma visão muito inocente do processo por parte de quadrinistas que acham que, contrato assinado, tudo se resolve — mídia, crítica, público e até dinheiro. Reflexo, talvez, de egos e imaginações inflados por “curtidas”.
Seguindo em frente, na segunda fileira de “mesas-estandes” havia uma trajetória mais condizente com o mundo real: na área desde 1994, o paulista Orlandeli assinou contratos com editoras (entre outros, Sic saiu pela Conrad, com tiragem de 2 mil exemplares), ganhando de 8 a 10% do valor de capa. Ao passo em que recebeu suporte profissional nos projetos — revisão de texto, preparação de imagem e distribuição —, considera o resultado pouco expressivo em termos de venda e divulgação. Orlandeli, que trabalha como ilustrador e cartunista, decidiu empreender um projeto solo nesta sua primeira participação no FIQ, publicando por conta própria, sem crowdfunding ou pré-venda: tiragem de 800 exemplares, ao custo total de R$ 2,4 mil. Seu objetivo com Eu matei o Libório (à venda pelo preço promocional de R$ 10, 40 págs.) é o contato com o público: “Gosto de contar histórias. Quero contá-las”, resumiu sua vocação. Até o sábado, a HQ havia chegado às mãos de cem leitores.
Com a viabilidade de publicação, entra em extinção o quadrinista que se acha injustiçado pelo mercado editorial e não faz que reclamar. Além de as editoras não serem mais o único meio, tampouco são necessariamente a “segunda etapa” ou um avanço na carreira. Por sua vez, os editores não se veem ameaçados por tal descentralização; observam, sim, a coexistência com os independentes. “Ótimo”, um deles brincou (com um grande fundo de verdade) quando provocado sobre uma possível perda de “popularidade”, “é menos gente me assediando e vou atrás do que quero”. Mas a concorrência — em quantidade e qualidade — entre os quadrinistas ainda é forte, e evidencia um dos papéis do editor: o de curador. “Parte do meu trabalho é ficar de olho nos independentes, pensar em projetos que funcionem numa grande editora”, explica André Conti. Neste quesito, ele avalia o último FIQ como “notável”: “Foi a primeira edição em que saí com várias conversas iniciadas e ideias para trabalhar com novos autores”.
Enquanto isso, para os quadrinistas, “tudo é possibilidade de crescimento: publicar de maneira independente ou por editora, um não anula o outro”, analisa Guilherme Kroll. Foi pensando nisso que Shiko recuperou da gaveta a ideia para O azul indiferente do céu, logo após finalizar Piteco — Ingá (Maurício de Sousa/Panini), em setembro deste ano. Na HQ independente, lançada — e esgotada — no FIQ, o paraibano quis testar outro tipo de narrativa e arte, com um desenho mais livre e menos responsabilidades editoriais — produzindo sem saber onde mesmo iria chegar no final, ou quantas páginas teria. “Quero contar as minhas histórias do meu jeito, no meu tempo. Não me vejo abrindo mão disso”, resumiu no mês passado, em um bate-papo na Itiban. Este também é o espírito de Pedro Cobiaco, que lançava no evento mineiro a segunda primeira edição da revista Loki. No momento, ele prefere publicar como independente não só para ter controle completo sobre a obra — como foi o caso de Harmatã (2013) —, mas porque o formato reflete sua visão de vida — algo que Pedro afirma com mais certeza do que se espera de alguém de 17 anos.
Depois de ver a dupla Cristina Eiko e Paulo Crumbim autografar mais de 400 exemplares de seus Quadrinhos A2 ao longo de cinco dias (o fenômeno se repete em outros eventos ao longo do ano), pode parecer curioso eles não levarem os novos volumes para uma editora — afinal, que empresa perderia a chance de investir num negócio de comprovada liquidez? Desde 2011, a dupla já imprimiu 4,5 mil exemplares da série de três HQs, vendidos em algumas lojas, pela internet (sem trabalhar com cartão de crédito) e principalmente em feiras. Eles explicam que se sentem confortáveis atuando de maneira independente, ainda que não descartem parcerias com editoras, a exemplo do Penadinho que vão lançar pela Maurício de Sousa/Panini.
Autopublicação, claro, não é só liberdade, e exige do quadrinista atuação nos processos de gráfica, distribuição, divulgação e vendas. Outros itens também devem ser levados em consideração: é difícil viabilizar um livro mais caro (pense num Retalhos, de 592 páginas) — sem falar em quem simplesmente não tem fundos para se autopublicar ou visibilidade para emplacar um projeto de crowdfunding. É de se perguntar ainda onde estão as HQs “de fôlego” entre os independentes nas temporadas de festivais (o FIQ acontece nos anos ímpares; a Gibicon, em Curitiba, nos pares), quando começa a correria (e o congestionamento no Catarse) por novidades para apresentar ao público, jornalistas e editores: predominam previews, histórias curtas e coletâneas de trabalhos publicados na internet. Número de páginas e qualidade não estão necessariamente relacionados, mas uma graphic novel pede investimento de tempo e dinheiro, assim como organização e planejamento. Talvez seja o próximo passo para os independentes.

Gustavo Duarte: “Ser independente é um aprendizado. Hoje, quando publico por editoras, posso cobrar delas porque sei os caminhos, conheço todo o processo”
Có (2009) vendia na internet 13 unidades por semana. No ano seguinte, com Táxi, o número subiu para 50, chegando a 100 exemplares semanais de Birds (2011). O tempo que Gustavo Duarte dedicava a correio e banco passou a competir com as horas em que o quadrinista deveria estar debruçado sobre a prancheta, tocando outros projetos. Esgotados, os independentes Birds e Có ganharão no ano que vem uma edição única, junto a um inédito, pelo selo Quadrinhos na Cia., juntando-se a Monstros! (2012), que já está na segunda edição pela editora, somando quase sete mil exemplares impressos.
Posto desta maneira, Gustavo soa como um sucesso instantâneo, mas por trás disso há 16 anos de carreira como cartunista e um aluno aplicado. “Ser independente é um aprendizado. Hoje, quando publico por editoras, posso cobrar delas porque sei os caminhos, conheço todo o processo”, ele explicou entre um autógrafo e outro de Chico Bento — Pavor Espaciar (Maurício de Sousa/Panini), já que os 95 exemplares de 13 (independente), lançado neste FIQ, esgotaram dois dias antes de o evento chegar ao fim. Dos 1,5 mil exemplares de sua primeira HQ, Gustavo foi testando, a cada novo trabalho, as tiragens, até chegar a 2,5 mil unidades de 13. É um número maior do que muitas editoras arriscam; a média no mercado editorial brasileiro, é de 3 mil exemplares.
Como ele, outros autores emplacam por conta própria uma publicação de qualidade, com vendas em comic shops, eventos e internet; conseguem boa divulgação; e organizam lançamentos — de forma tão competente (ou “incompetente”, como ironizado nos corredores da Serraria) quanto editoras. Elas seriam, então, apenas facilitadoras do processo? “É difícil estar numa livraria no Maranhão ou no Amazonas. E em três meses de Monstros! vendi o equivalente a um ano de Birds”, relativiza Gustavo, para quem o mercado de quadrinhos no Brasil ainda está sendo criado, e editoras, assim como autores, estão aprendendo e testando limites.
O mineiro Vitor Cafaggi passou por um processo semelhante. Dois anos depois de lançar o webcomic Puny Parker, ele foi convidado — em 23 de março de 2010, dia de seu aniversário, para ser mais exato — para a seção de quadrinhos de O Globo. Não há quem não se encante com Valente, sucesso de público desde seu lançamento, no FIQ 2011, quando saiu do jornal para livro independente. À tiragem inicial de mil exemplares seguiram-se duas reimpressões, totalizando duas mil unidades do primeiro volume da série. Em 2012, a continuação, Valente — Para todas, seguiu no formato independente, com 1,5 mil exemplares, e obteve ótimas vendas e repercussão — e a atenção da Panini Comics. As negociações com a gigante, que ao lado da Abril domina as bancas brasileiras, se resumiram a conversas esporádicas, até o lançamento de Turma da Mônica — Laços (Maurício de Sousa/Panini), graphic novel feita em parceria com Lu Cafaggi: “Além da qualidade de Valente, Vitor foi estrela do Graphic MSP. Tornou-se uma escolha óbvia”, conta Levi Trindade, editor-sênior da Panini. Duas semanas antes do FIQ 2013, Vitor fechou contrato com a editora para reimpressão dos primeiros volumes da HQ (então esgotados) e publicação da terceira parte, Valente — Por opção. O acordo prevê seis livros da série e instiga a casa de Marvel, DC, Vertigo, Maurício de Sousa e Hello Kitty, entre outros, a investir no quadrinho brasileiro autoral: sem uma linha editorial definida no momento, mas aberta a diferentes temáticas (como aventura, fantasia, ficção e biográfico), a Panini está fechando contrato com novos autores, que devem ser anunciados em breve.
Como Gustavo, Vitor havia chegado ao ponto em que não dava mais conta de distribuição, controle de vendas e correio (sem contar que ambos os quadrinistas enviam cada exemplar vendido pela internet autografado). Também pesou na decisão de migrar o projeto para uma editora o fato de Valente ser uma série: “Para reimprimir os dois volumes e publicar o terceiro como independente, eu precisaria de no mínimo R$ 14 mil”, explica. Se cada lançamento alavanca as vendas dos livros anteriores, pedindo reimpressões, logo a logística se tornaria impraticável.

As tiragens de “Valente”, de Vitor Cafaggi, cresceram dez vezes e chegam a novos leitores com a Panini (Foto: Mitie Taketani/Itiban)
A duas semanas do FIQ, então, soava uma missão impossível finalizar os três volumes de Valente a tempo. De fato, os fãs (e o quadrinista) passaram quarta, quinta e sexta-feira ansiosos, mas no sábado as HQs chegaram. A única diferença visível era uma logomarca na capa — Vitor fez questão que os leitores dos primeiros números encontrassem na nova edição o mesmo padrão (papel de capa, miolo, formato) do independente —, mas esse pequeno detalhe mudou a jogada: foram impressas 20 mil unidades de Valente — Por opção, que agora ultrapassa os três ou quatro pontos de venda dos independentes para entrar em bancas e livrarias de todo o país. Para se ter noção, apesar de estar no principal periódico carioca, o quadrinista não conseguia um ponto de distribuição no Rio de Janeiro.
Ainda é cedo para balanços, mas a avaliação de Vitor Cafaggi é positiva: “A editora está trabalhando mídias sociais, organizando lançamentos, agendando entrevistas e investindo na divulgação do Valente para o público em geral, além do leitor de quadrinhos”. No lançamento em São Paulo (SP), no último sábado (7), havia pôsteres do personagem, cupcake e amendoim sendo distribuídos.
Esta, no entanto, não é a média, e há quem veja mais limitação do que evolução em determinados pontos. Jorge Rodrigues, fundador da Comix, está encerrando seu setor de distribuição, que atendia cerca de trinta comic shops, preferindo investir em sua própria loja (física e virtual) e nos mais de 20 eventos de que participa anualmente em todo o país. “Tirando essas poucas comic shops e algumas livrarias, ninguém quer vender quadrinho independente ou graphic novel — só mangá ou o sucesso do momento”, lamenta. Rogério de Campos, que antes da Veneta foi editor da Conrad por 19 anos, observa que o espaço em livrarias já foi pior (junto até mesmo da seção infantil), mas sente falta do surgimento de mais lojas especializadas, acompanhando o “boom” de publicações: “Não é só venda: é nelas que você encontra HQs lançadas há dois anos, e são pontos de encontro”.
Se as prateleiras estão abarrotadas de mainstream e a maioria dos livreiros não vê vantagens em investir mais a fundo nos quadrinhos, a chancela de uma editora ajuda ganhar espaço e atingir um público-leitor mais amplo, como nos casos de Gustavo Duarte e Vitor Cafaggi. “É preciso investir nas livrarias: cavar espaço nas estantes, evitar a segmentação. Gosto demais das lojas e da cultura geek, mas acredito que o livro deveria permanecer na livraria principal, onde pode encontrar novos leitores”, propõe o editor do Quadrinhos na Cia., que tem nas grandes livrarias uma fatia “enorme e considerável” das vendas. As editoras estão um passo a frente dos independentes neste ponto, e claro que é de seu interesse avançar, mas a distância vem diminuindo — em distribuição, divulgação e tiragens —, como ilustram outros casos acima. Isso dito e colocado ao lado dos pontos positivos da análise de Jorge Rodrigues, que está no mercado desde 1986 — profissionalização, multiplicação de autores (e estilos e formatos) e desenvolvimento artístico nos quadrinhos independentes; e aumento do número de leitores (vejam as vendas, mídia e o fato de que pessoas “comuns” até que sabem da existência de HQs além do Super-Homem) —, não seria o momento de ir além, mesmo em um mercado que apenas começa a se formar?
Pode ser complicado ousar dentro do modelo de negócios das grandes editoras. “Elas buscam um retorno [financeiro] grande e imediato”, diz Lobo, enquanto “ter caixa é um processo demorado”. Rogério de Campos concorda: “Várias grandes editoras começam a publicar quadrinho autoral mas acabam frustradas porque esperam números gigantes, enquanto HQs raramente encabeçam as listas de mais vendidos — no Brasil e no mundo”. Como muitos no meio, Rogério ressalta que o quadrinho nacional tem recebido investimento das editoras. O problema, segundo ele, é que o foco estaria em programas como o PNBE, que gera vendas na casa dos cinco dígitos. “É um efeito muito ruim para o mercado, os quadrinhos estão ficando mansinhos demais”, critica, referindo-se a restrições quanto a linguagem, cenas de violência e o politicamente incorreto, cujos reflexos são visíveis além das compras governamentais.
Deixando os best-sellers de lado, se o objetivo é ter caixa, não é impossível, mesmo quando se é independente e à margem do PNBE. Veja o caso de Beleléu, que em 2011 passou de revista a selo, editando Aparecida blues, de Stêvz. Três anos depois, ele consegue viabilizar as publicações do coletivo de quadrinistas formado por Tiago Elcerdo, Stêvz, Eduardo Arruda e Pablo Carranza, que variam de zines a livros mais caros e com formatos diferentes, como o recém-lançado Friquinique (R$ 65, 128 págs.), com tiragens na média de mil exemplares. O modelo aqui é outro: publicar novos autores ultrapassa seus limites estruturais, e chegar ao nível de uma grande editora não está em seus planos. “A gente quer manter o ar de independente, ter controle e cuidado com cada um dos livros”, explica Tiago Elcerdo.
Desde 2009, Gustavo Duarte vem participando de feiras como a San Diego Comicon, nos EUA, e observa a existência de nichos distintos: um nome como Mike Mignola, criador de Hellboy, segue vendendo, em mesas como as de Anderson B. ou Orlandeli, suas publicações independentes (a exemplo do artbook A year of monsters, de 2013, com edição limitada de mil cópias). “Meu papel enquanto autor é ousar: fazer um artbook, digamos, ou um livro silencioso. Idealmente, as editoras deveriam buscar isso, mas são empresas”, respondeu Gustavo sobre a possível falta de ousadia das editoras frente à efervescência dos independentes. Certas obras — seja pelo conteúdo ou formato —, ele lembra, não têm perfil comercial, e são restritas a públicos específicos e tiragens modestas (ou seja, edições independentes), mesmo em um mercado formado como o norte-americano. No entanto, o autor de Có acredita que as editoras devem acreditar no potencial comercial das HQs e explorar cada vez mais divulgação, lançamentos, marketing: “Tudo bem não arriscar com um livro de arte, mas isso tem que ser feito em relação às tiragens, ao mercado”. Elas, por outro lado, afirmam que as tiragens estão de acordo com a saída dos livros e reforçam que estão sempre atentas a novos meios de disseminar as HQs, bem como à produção independente.
Editoras podem ter maior estrutura e alcance, mas começam a soar insossas perto do que estão realizando os independentes, que provam, aliás, com seus 136 lançamentos, que existe um mercado (viabilidade e potencial comercial) para o quadrinho autoral nacional a ser melhor explorado. E por trás das empresas, sabemos que há grandes editores com capacidade para explorá-lo — “tão artistas quanto os artistas”, como me disse um artista. Ainda que tenham objetivos e produtos distintos, até mesmo empresas precisam ousar se quiserem saber seus limites e potenciais. Ou talvez seja hora de simplesmente refletir sobre esses limites (artísticos e estruturais, impostos muitas vezes sem nem mesmo terem sido testados), métodos (de marketing, divulgação e distribuição) e objetivos (publicar só o que vende bem? Editar eternamente Mafalda e zumbis, mas ignorar a ótima produção brasileira? Lançar HQs ocasionalmente? Manter as coisas como estão?). Os quadrinistas já estão agindo nesta direção, tomando e profissionalizando iniciativas do ponto de vista artístico e operacional, não só por tesão pelo que fazem, mas por acreditar e trabalhar por sua viabilidade. E a estão comprovando. Com as editoras junto, o efeito promete ser muito mais potente.

“Fila” de autógrafos da HQ “Beco do Rosário”, de Ana Koehler, no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte
Na década de 1950, duas antes da geração marginal, o poeta Zuca Sardan já imprimia seus “folhetos” em casa, e durante toda a sua carreira sofreu com o desinteresse das editoras, talvez por não seguir o cânone, escolas ou tendências brasileiras, mas construir um estilo próprio, de humor “desbundante”. O desinteresse do mercado nunca foi o suficiente, porém, para desanimá-lo ou minguar sua produção contínua.
Quase sessenta anos depois dos primeiros livros independentes de Zuca, Pedro Cobiaco surtava não com os surrealistas, mas com Akira: ele tinha 13 anos de idade e acabara de escolher a profissão de quadrinista. De lá para cá, Pedro conheceu a realidade profissional do meio, mas sua ambição continua a mesma, e não é nada menos do que a satisfação pessoal: revolucionar o mundo dos quadrinhos e mudar, de alguma forma, o mundo. A afirmação pode ser lida como utopia, mas Zuca diria que é simplesmente aquilo a que todo artista deveria ambicionar.
Sobre a importância do editor, o poeta me disse, há alguns meses atrás: “Quando ama a literatura e defende o que considera bom, mesmo sem qualquer apoio crítico ou público, ele vale tantíssimo quanto o autor. Estamos atravessando um período de fulminantes transformações, que lançam um desafio crucial ao autor e… ao editor”.
*Yasmin Taketani é jornalista.
Espetacular artigo!
Parabens a Yasmin pela reportagem!!
Interessantíssimo! E algo que eu vejo como um bom sinal é que a variedade de publicações dos independentes é equiparada ao mercado francês! Pena que o grosso do público ainda não curta este tipod e obra
Excelente artigo. Parabéns.
Pingback: Pessoas Empilhadas | A Pilha
Olá sou o Ton Messa estou com um HQ no catarse, agradeço se vc puder dar uma olhada, e qualquer ajuda na divulgação é bem vinda. Entre os prêmios deste projeto temos sketches originais cedidos por artistas como Eduardo Risso do 100 Balas, e do David Lloyd do V de Vingança. Desde já muito obrigado pela atenção.
estou dando o melhor de mim para fazer uma história massa para todos :)
http://www.catarse.me/pt/chacal