Na noite em que receberia os prêmios de melhor roteirista e melhor edição especial nacional no 24.º Prêmio HQ Mix, no último sábado, André Diniz tinha acabado de voltar da Europa, onde participou dos eventos de lançamento das versões inglesa e francesa de Morro da Favela.
Des rond dans l’O, a pequena e simpática editora que levou o álbum à França, tem divulgado o seu Photo de la Favela como o último grande lançamento da casa. E não é para menos.

André Diniz e Maurício Hora no lançamento na França
As resenhas de jornais e sites especializados só têm elogiado a maneira como a história é contada – a partir de um testemunho sem estereótipos, em primeira pessoa – e principalmente a originalidade da arte do André Diniz. Muito diferente do que se costuma ver nos quadrinhos europeus, o estilo em preto e branco e em alto-contraste tem entusiasmado os leitores franceses.
Mas o sucesso na França já era de se esperar. Morro da favela reúne três grandes paixões francesas: a autoficção, os quadrinhos e a fotografia. Este livro conta, em primeira pessoa, a história de Maurício Hora, um fotógrafo que cresceu no Morro da Providência, RJ. Rodeado por todos os problemas de uma favela – a violência, o tráfico, o descaso político e a corrupção – Maurício encontrou seu caminho quando recebeu de presente uma câmera fotográfica. Foi por meio das lentes que sua comunidade se ressignificou a seus olhos. E justamente por ter sido feito a partir de um testemunho real de alguém que aprendeu a ver aquilo que normalmente não se vê, Morro da favela não é apenas mais uma obra que explora a violência e os estereótipos da favela.
Sobre essa boa recepção na Europa e outras questões, fizemos, por e-mail, uma pequena entrevista com André Diniz quando ele ainda estava na sua turnê europeia:
Como aconteceu o contato com as editoras estrangeiras? Quero dizer, houve algum mediador, de que forma essas editoras entraram em contato com esse álbum?
A primeira delas se deu da forma mais curiosa possível. O amigo e quadrinhista Ricardo Manhães, que já produz há anos para a França, me deu a dica da Des Ronds Dans l’O e eu entrei em contato com eles. Foi bem na cara-de-pau mesmo, pois eu não sabia uma palavra de francês (comecei a estudar só depois). Daí, escrevi em português com frases simples e diretas e traduzi para o francês via Google Translator!… Não é que funcionou? Acho que era pra ser mesmo, pois eu seria o primeiro a desaconselhar alguém a contatar uma editora dessa forma tão mambembe. Já a Self Made Hero, a editora inglesa, foi contatada pela Maria Clara, da Barba Negra.
Pela sua experiência agora na viagem de lançamento, o que sentiu a respeito do interesse dos estrangeiros pelos quadrinhos brasileiros? Ou, mais especificamente, pelo seu quadrinho, por este quadrinho específico?
Fui muitíssimo bem recebido, mais até do que eu esperava, confesso. Recebi, inclusive, convite para ilustrar para uma outra editora e já há conversas para outros títulos de HQs. Desde o começo, me pairava uma dúvida: o que as editoras e os leitores mais estavam interessados? No meu trabalho ou em uma HQ, qualquer que fosse, falando sobre favela? O tema desperta muito o interesse dos europeus, não dá pra negar. Mas o que constatei aqui foi que estão, claro, interessados no tema, mas o interesse maior é pelo trabalho de artistas que tragam novos sopros e novas experiências ao cenário europeu e isso é fantástico. Estou em negociação sobre novas HQs que não repetem o tema da favela nem trazem nada de “exótico” aos olhos dos europeus. Era o novo passo que eu queria dar e volto ao Brasil muito gratificado com isso.
Morro da Favela, por razões de localização de tempo e espaço do protagonista, aborda alguns temas que estão num certo universo imaginário a respeito do Brasil: Rio de Janeiro, violência, comunidade carente, tráfico… Acha possível que o cenário onde a história se passa também contribuiu para o interesse estrangeiro na obra?
Xi, acabei respondendo isso na pergunta anterior… Tem problema? :)
Susan Sontag diz que “Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Mas muitos, por meio de fotos, descobriram a beleza”. Eu me lembrei muito dessa frase enquanto lia seu livro, não só pela óbvia relação com a redenção do Maurício, ou na passagem em que o menino se alegra ao ver seu barraco numa imagem ampliada na escola, mas também imaginando o seu trabalho de estetização dos cenários. Você visitou a favela enquanto escrevia/desenhava? Pode comentar um pouco essa experiência de recorte da realidade?
Sim, subi na Providência várias vezes com o Maurício. Foi uma experiência incrível, pois finalmente eu tinha a minha visão própria, sem o filtro da mídia. Tive muitas surpresas lá, algumas para pior e várias para melhor. Não quero dourar a pílula de forma alguma, isso não ajudaria em nada. É duríssima a vida de quem nasce e cresce na favela. Mas hoje eu entendo se alguém me dissesse que jamais se mudaria de lá, mesmo que tivesse condições.
No início, a ideia era retratar com fidelidade, ainda que no meu traço bem estilizado, cada ponto da favela. Mas depois, concluí que isso seria papel das fotos do Maurício, que viriam no livro também. Querer retratar casas e trechos específicos no desenho só desviariam a atenção do leitor e a minha própria contra essa história fantástica que o Maurício tem a contar.
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